quarta-feira, 28 de novembro de 2018

Pré-socráticos: primeira geração de filósofos


Nesta breve abordagem, vamos analisar o esforço investigativo feito pelos primeiros pensadores. Homens destemidos, sem vaidade e, até certo ponto, ingênuos, iniciaram — no seu tempo — um incipiente filosofar. O que eles propõem é um novo jeito de pensar. Defendem o uso da razão e da racionalidade para esse fim.

É assim que começa, por volta do século VII a.C., a história da filosofia. Com esse audacioso movimento da razão, os pré-socráticos substituem a dogmática do mito por uma mentalidade puramente intelectual. Do ponto de vista histórico, ela vinca, de modo definitivo, a história da humanidade ao mundo grego. Eles foram geniais e desconcertantes. Vejamos:

Em primeiro lugar, e muito simplesmente, os pré-socráticos inventaram a própria ideia de ciência e filosofia. Descobriram aquela maneira especial de olhar para o mundo, que é a maneira científica ou racional. Viam o mundo como algo ordenado e inteligível, cuja história obedecia a um desenvolvimento explicável, sendo suas diferentes partes organizadas em algum sistema compreensível. O mundo não era uma reunião aleatória de partes, tampouco sua história uma série arbitrária de eventos.
Os pré-socráticos, no seu primeiro ato contemplativo, identificam na natureza pressupostos indubitáveis, tais como: a ordem, a organização e o inteligível. É a partir dela, a natureza, que tudo começa. É recomendável lembrar que eles não possuíam um acervo bibliográfico para pesquisa ou consulta, daí a genialidade. O que tinham diante de si era apenas a natureza e os seus fenômenos. É por aí que desenvolvem suas primeiras reflexões, com o intuito de entender os fenômenos presentes na natureza.

O termo physis, que significa natureza, empregado por esses filósofos, deriva de um verbo cujo significado é “crescer”. Com isso, eles distinguem claramente o que provém da natureza e o que não provém dela. É interessantíssimo como eles reconhecem essa proeminente distinção, mesmo sendo considerados ingênuos por alguns historiadores da filosofia.

Os pré-socráticos investigavam a natureza das coisas ou aquilo que, de uma maneira ou de outra, participava da natureza das coisas — não de forma acidental, mas de modo essencial. Seguindo tal perspectiva, desejavam encontrar ‘o princípio’ que subjaz em todas as coisas. É com esse modo de olhar para o mundo que aparece a mente filosófica. Ela começa quando o homem rompe os limites do mundo mítico, circunscrito na natureza próxima, instaurando, assim, a atitude que indaga e pergunta.

Os pré-socráticos foram os primeiros a perceber que a natureza tinha causa em si mesma. Foram eles que começaram uma progressiva caminhada rumo ao surgimento das ciências. Superado o sono dogmático, imperativo do mito, a emancipação é inevitável; o saber, uma consequência. Já vivemos um outro tempo, a era da razão.

BARNES, J. Filósofos Pré-Socráticos. Tradução Julio Fischer. São Paulo: Martins Fontes, 2003.

João Alberto Acunha Tissot
Professor de Filosofia

quarta-feira, 26 de setembro de 2018

Introdução ao pensar, a origem do filosofar

Sabe-se que, ao longo do tempo, a filosofia atraiu sobre si indisfarçável antipatia. Mesmo velada, ela existe. As razões não são facilmente identificáveis. Quando falamos de filosofia para as pessoas, o que era tácito, torna-se explícito. Logo, surgem as rejeições. Tal comportamento é compreensível, mas como é uma atitude impensada e não refletida, precisa ser refutada. Os filósofos nos ensinaram a pensar além do senso comum, preparando o caminho. Aos professores de filosofia, preceptores desse conhecimento, cabe a iniciativa de fazer as demais pessoas seguirem esse caminho. No entanto, sabe-se de antemão que tal tarefa não é simples, embora necessária.

As pessoas se habituaram a pensar com base no senso comum, mas ele não nos conduziu por um bom caminho. A filosofia propõe o bom senso, o pensar sistemático. A seguir, propõe a criticidade, capacidade para sopesar, tornar-se o avaliador justo, aprender a pôr na balança. Para tanto, precisamos reaprender a pensar. A filosofia não é um modo de pensar que tangencia cada questão, ela se demora na análise de cada uma delas, procurando extrair o que está em jogo. Deseja compreender cada momento, ou seja, filosofar. Sem isso, como diz Hegel, filosofar seria o mesmo que nadar sem entrar na água.

Muitos julgam a filosofia como algo sem utilidade e logo perguntam para que serve a filosofia. De fato, ela não é utilitarista. Não é como o martelo, que é um instrumento da técnica, utilizado para bater pregos basta vê-lo e já se sabe para que serve. A filosofia tem fim em si mesma, isso ainda precisamos aprender. Eis aí o primeiro passo.

O que a filosofia estimou para si desde os primórdios foi um saber próprio, originário. Por isso, indagou: qual o princípio que justifica o surgimento de todas as coisas? Com essa pergunta, ela gerou espanto e perplexidade, impondo um impasse para si mesma, pois não tinha a resposta. “Ora, quem formula impasses e se admira julga ser ignorante; consequentemente, se filosofaram justamente para fugir da ignorância, é claro que buscaram conhecer pelo saber e não em vista de alguma utilidade”. (ARISTÓTELES [Metafísica, p.12],2008).

A filosofia, a partir de si mesma, empreende, numa iniciativa teórica, o pensar autêntico. Com esse movimento do pensamento, produz conceitos e um vocabulário apropriado. Assim, ingressa no conhecimento e na linguagem. Neste esforço, a razão prossegue e avança visando desvendar os meandros da realidade, reconhece a presença do inteligível e o mundo natural. Ela quer, assim, iluminar a realidade, trazer à luz do saber o que era abstrato e enigmático. Produz, assim, inúmeras falas, cria o discurso, a dialética e a arte da argumentação.

A filosofia precisa manter-se no pensar autêntico, não pode correr o risco de fazer abordagens impróprias ou inadequadas – seus temas se interpenetram, facilmente caem no indeterminado. Portanto, ela deve ser diligente na elaboração dos seus conceitos e definições. Precisa manter-se no caminho, nunca fora dele.

João Alberto Acunha Tissot
Professor de Filosofia

terça-feira, 17 de janeiro de 2017

Reflexão sobre o movimento

A filosofia é laica desde seus primórdios, apesar do surgimento da patrística e da escolástica, momento em que a fé quer superar a razão. Esse período se prolonga por quase quinze séculos e marca a história do desenvolvimento intelectual do homem. A filosofia, por sua vez, resiste, fugindo do jugo do sagrado, da crença e do fenômeno da revelação. Firme no seu propósito, ela soube muito bem salvaguardar o seu maior tesouro, a razão, e com ela, faz um movimento especulativo grandioso em busca do saber legítimo. 

Nietzsche, filósofo alemão do século XIX, escreve aos dezessete anos, um texto genial do qual extraímos o seguinte fragmento: “Fomos influenciados sem ter em nós a força para uma ação contrária, sem mesmo perceber que somos influenciados. É uma sensação dolorosa, haver cedido a própria independência numa aceitação inconsciente das impressões exteriores, haver sufocado faculdades da alma pelo poder do hábito, e a contragosto haver enterrado os germes do extravio no fundo da alma”. Para ele, o dano no destino historial do homem é resultado do interdito gerado pelo período da filosofia na Idade Média.

A Filosofia é saber sobre todas as coisas, é um conhecimento dotado de movimento próprio e em perene construção, por isso, tem visão crítica e precisa rever o seu desempenho na sua trajetória histórica, visando encontrar seus erros e equívocos e, a partir daí, corrigi-los. Ela existe e subsiste no devir, o movimento que permite que tudo venha a ser. Sem ele não há realidade. Heráclito, pensador pré-socrático, percebeu muito cedo que na natureza tudo é movimento.

Para Heráclito, há o movimento, ele é imanente, é algo em si mesmo. Mas entre as coisas da natureza, há também o homem, e nele a autonomia, para que ela serve, senão tornar a subjetividade em legítima e autêntica objetividade. “Na profunda intuição de Heráclito, o universal, o logos, é o comum na essência do espírito, como a lei é comum na cidade”. (Paidéia, p.13).

Para finalizar, volto a citar Nietzsche: “O fato de Deus ter se feito homem indica apenas que o homem não deve buscar no infinito sua felicidade, mas fundar na Terra o seu céu; a ilusão de um mundo sobreterrestre levou os espíritos humanos a uma atitude equivocada perante o mundo terrestre: foi fruto de uma infância dos povos...”. 

Portanto, se há autonomia, há também a vontade forte, e com elas, surgem os mundos e suas realidades, tais como: a cultura, a educação, a ciência, a arte, a política, a literatura, e outras tantas, e sem elas, tudo seria apenas um espaço geofísico, vasto, belo, porém, enfadonho. Por isso, Nietzsche pergunta, seríamos deuses independentes?

terça-feira, 3 de janeiro de 2017

A difícil arte de educar – Parte II

Diante das manifestações nas mídias sociais, meios de comunicação ou numa rápida conversa com alguém, é visível a desilusão das pessoas ao perceberem que o homem não se comporta educadamente, nem na hora que vai descartar o seu lixo doméstico, por exemplo. O que deveria ser um ato simples, tornou-se um ato de descuido com o espaço público, uma desobediência às regras de conduta. De fato, não sabemos o que fazer para mudar tal situação, não vislumbramos uma perspectiva de melhora a curto prazo. Por isso, desejo retomar a reflexão do meu artigo anterior, publicado aqui no blog em junho de 2014.

O tema educação é fascinante, move e estimula o meu trabalho com filosofia. Quando tratei dele pela primeira vez, apontei o seguinte: “ignoramos como se dá, no íntimo da natureza humana, a assimilação do conteúdo ensinado. Não sabemos o que a torna afirmativa e nem o que a torna negativa. Nessa dinâmica, há os que aprendem, e os que não aprendem. Precisamos entender pedagogicamente como isso se processa”.

Hoje, passado algum tempo da primeira abordagem, persistindo na pesquisa do tema, me aproximei ainda mais da filosofia de Martin Heidegger, filósofo alemão do século passado. Com ele despertei do sono dogmático da metafísica tradicional, me aproximei do conceito de humanismo na concepção desse filósofo.

Na sua obra Carta sobre o Humanismo, publicada pela primeira vez em 1947, ele diz o seguinte: “Em Roma encontramos o primeiro humanismo. Ele permanece, por isso, na sua essência, um fenômeno especificamente romano, que emana do encontro da romanidade com a cultura do helenismo”. Ou seja, os romanos absorveram dos gregos a riqueza desse conceito.

Por outro lado, seguindo o pensamento de Piaget, assimilei dele a sua máxima sobre educação, que diz: “A principal meta da educação é criar homens que sejam capazes de fazer coisas novas, não simplesmente repetir o que outras gerações já fizeram”. Assim, então, estimulado por suas palavras, prossegui, investindo na intensificação da pesquisa e na leitura da obra de Heidegger.

Para ampliar, ainda mais meu conhecimento, retomei a leitura da obra Paidéia de Werner Jaeger. Nela pude entender o valor e o significado da educação para a formação da cultura grega. Por isso, considero valiosa esta sua sentença: “Todo povo que atinge um certo grau de desenvolvimento sente-se naturalmente inclinado à prática da educação. Ela é o princípio por meio do qual a comunidade humana conserva e transmite a sua peculiaridade física e espiritual”. Logo a educação é algo que está implicitamente gravado no seio de uma comunidade, de uma civilização, e sem ela, não há nem uma coisa, nem outra.

Portanto, o nosso desencanto com aquele que não atende as regras de boa conduta, não separa o lixo reciclável do lixo orgânico, insiste em descartá-lo em local inapropriado, está plenamente justificado. Ele não faz parte da comunidade, não é civilizado. Segundo Homero, “é alguém sem família, sem lei, sem lar”.  Não corresponde ao conceito de animal político de Aristóteles

João Alberto Acunha Tissot
Professor de Filosofia

quarta-feira, 5 de outubro de 2016

Sobre a origem do pensamento político – Parte II

Do ideal grego de educação em Homero, avançamos para o ideal de Platão, sob lume do pensamento filosófico, que emergiu das colônias gregas na Ásia Menor a partir do século VI a.C., com Tales de Mileto.

Platão, ainda jovem, demonstra enorme fascínio pela política, principalmente após o seu encontro com Sócrates. Com seu mestre, aprende a importância de fundamentar a atividade política em conceitos claros e seguros. Os “diálogos socráticos”, nos quais Sócrates é o personagem central, servirão para Platão tratar e discutir os principais temas ligados à política, já que nesse momento se vive o período humanista da filosofia.

Seguindo na trilha de Platão, encontramos no diálogo Górgias, a primeira grande tese de seu pensamento político. Nela subjaz a máxima: "a 'verdadeira arte política' é a arte que 'cura a alma' e a torna a mais 'virtuosa' possível, sendo, por isso, a arte do filósofo”. (REALE, 1990, p.162). Para entender a tese platônica, que à luz de aspectos fundamentais assume função preponderante na sua teoria política, torna-se necessário analisar e identificar quais premissas servem ao ideal platônico.

Quando Platão pensa na cura da alma, há na sua teoria uma premissa denominada educação. Quando ele pensa no filósofo como educador, há na sua tese a participação do filósofo – o homem político – que precisa adquirir suficiente aptidão para desempenhar o governo da cidade. Por isso, na obra A República, o empenho de Platão é indicar o melhor caminho para transformar o indivíduo em cidadão e o filósofo no melhor governante. Sem isso, não haverá polis, a cidade-Estado, o espaço da democracia, do bem estar e da justiça.

No diálogo Sofista, Platão, inspirado por auspiciosa sagacidade, pensa o ensino a partir de uma dicotomia distinta. Para ele, a primeira parte é a competência para o ensino da técnica, enquanto que a segunda parte é a competência para educar. A educação, por sua vez, desfaz os vícios da alma, enquanto a técnica prepara para o trabalho. Como se vê, não respeitamos a teoria sugerida por Platão, e o que percebemos hoje é um mundo altamente tecnológico e assaz desumano.

Misturando os universos da técnica e da formação humana, sentimo-nos, mais uma vez, frustrados pelo ideal não alcançado. Assim vivendo, geramos uma incongruência de difícil solução. Confiando apenas na técnica, perdemos o homem e ganhamos a técnica ao invés de ganhar a sua alma. Assim, alienado da realidade e alijado da vida comunitária, o “cidadão coisificado” aguarda, esperançoso, o amparo de uma deusa que com voz sibilina o libertará do jugo desumanizante.

Muitos ainda pensam que Platão era ingênuo ou que o seu ideal era utópico. Na verdade, o que falta em nós, homens secularizados, é um pouco da sua perspicácia. Por isso, nos tornamos homens sem alma, sem memória e sem historicidade. Como resultado da cronologia do tempo, o que somos, senão, apenas arquétipos da história?

quinta-feira, 8 de setembro de 2016

Sobre a origem do pensamento político – Parte I


O ser humano precisa ser educado para a convivência, pois na medida em que vive, convive. Viver e conviver é existir. Por sua vez, existir é partilhar com o outro as diferenças, os desejos, as virtudes e as semelhanças. É através do enlace existencial – entre eu e o outro – que o existir se faz vivência. Por isso, cada homem precisa ser educado e despertar em si o inteligível. É através do inteligível que ele supera as diferenças, consolida as semelhanças, e cria um ambiente favorável para o surgimento da comunidade, o espaço comum de convivência.

Para os gregos, a educação, desde os primórdios, teve valor inestimável. Na obra Paideia, Jaeger escreve: “O Helenismo ocupa uma posição singular. A Grécia representa, em face dos grandes povos do Oriente, um ‘progresso’ fundamental, um novo ‘estágio’ em tudo o que se refere à vida dos homens na comunidade. Esta fundamenta-se em princípios completamente novos. Por mais elevadas que julguemos as realizações artísticas, religiosas e políticas dos povos anteriores, a história daquilo a que podemos com plena consciência chamar cultura só começa com os gregos”. É com eles que a educação vai atuar sobre o homem e proporcionar a devida formação humana.

É com o surgimento dos poemas homéricos, Ilíada e Odisseia, entre o século X e  VIII a.C. que a história da formação humana tem início na Grécia de Homero. Para ele, o conceito de “Arete” assume função preponderante na formação do homem grego. Não temos na língua portuguesa um equivalente exato para este termo. Ele é problemático e de difícil entendimento, até mesmo para os gregos.

“Arete” é um princípio que designa a excelência humana e precisa ir além da virtude como mero conceito ético/moral. Visa despertar, em cada homem, elevada autoestima, conduta cortês e distinta e, também, aniquilar o individualismo. O princípio espiritual dos gregos não é o individualismo, e sim o “humanismo”. Por isso, o conceito de “Arete” surge e se firma no seio do povo grego, quando pela educação como processo histórico, eles assimilam os valores humanos e negam o individualismo.

Para os gregos, o fim último da educação era – pela paideia – dispor ao homem grego acesso à sua humanitas. No entanto, sabe-se que o desejo grego de consolidar no homem a sua natureza humana se inviabiliza, à medida que o seu agir, guiado pelo imperativo dos instintos – predominância do ente sobre o ser – se configura na cronologia amarga do tempo vivido.

Hoje sentimos os efeitos deste influxo existencial, justificado pela dificuldade em superar o egocentrismo predominante no comportamento humano do nosso tempo. O ideal grego ainda não foi alcançado.

segunda-feira, 15 de agosto de 2016

Aversão pela filosofia

Sabe-se que ao longo do tempo a filosofia atraiu para si indisfarçável antipatia. As razões não são facilmente identificáveis. Mas, quando despertamos nas pessoas o interesse por filosofia, o que era tácito torna-se explícito, e elas não conseguem evitar a rejeição que sentem por ela. Quase sempre consideram a filosofia enfadonha, sem utilidade e de difícil entendimento. De fato, ela não é utilitarista, não tende para o particular ou para o relativo, ela estima para si o saber sobre o todo, desconfia que o genuíno encontra-se encoberto na origem. Percebe desde os primórdios que a ignorância é uma latência transitória, algo a ser desvendado.

O que talvez deixe a filosofia chata ou cansativa é a metodologia por ela adotada durante o processo dialético e argumentativo – o filosofar autêntico – competência desenvolvida pelos primeiros pensadores para realizar a justificação racional. Por sua vez, a ignorância é superada na medida em que cada etapa desse processo argumentativo avança e se expande. Portanto, o conhecimento resultante é uma atividade da razão pura, definitivamente desmistificada pelos gregos.

Já na idade média, a razão é interpelada arbitrariamente pela fé, que gera o dogma e, com ele, surge o sortilégio nefasto que interrompe a caminhada dialética, cerceando a liberdade da razão, instaurando no homem o instinto de rebanho. Dessa forma, o livre pensar perde a autonomia para a fé e a razão se deixa subjugar pela dogmática instituída. Desde então, vagamos e divagamos, não se sabe ao certo. Sabe-se apenas que sucumbimos e desaprendemos a pensar. Prisioneiros dos círculos concêntricos do mero existir, perambulando, perdemos a capacidade de pensar verticalmente. Hoje somos homens vivendo na horizontalidade. Será isso de fato o que somos?

A filosofia pode devolver a cada um de nós a autoestima suplantada pela dogmática histórica. Pode nos ajudar a resgatar a plena capacidade da razão livre e pensar sem o medo e o dogma das doutrinas. No entanto, o homem contemporâneo, que apenas se move sob a pressão dos círculos existenciais, ainda deixa-se arrastar pela força de doutrinas combalidas e corroídas pelo tempo. Não querendo se libertar, preserva em si mesmo indícios de um primitivismo incontestável e pouco evoluído. O que deveria tê-lo humanizado não o fez, mas mesmo assim, não o liberta e nem o deixa prosseguir.

O homem do senso comum pensa que a filosofia atua sobre o imponderável e julga o ato filosofante como devaneio ou perda de tempo. Filosofar não é divagar, é a busca pelo ponderável desconhecido, é um ato livre do puro pensamento. Pena que ainda não fomos suficientemente adestrados para o ato filosofante puro, tão necessário e indispensável para a nossa humanização.