quinta-feira, 28 de janeiro de 2016

A descoberta do eu racional

João Alberto Acunha Tissot
Licenciado em Filosofia

O conhecimento e a descoberta do inteligível ainda são os meios que permitirão ao homem, de forma inequívoca, progredir e avançar nas questões humanas, tornando-o solidário e compreensivo no grupo social onde vive. No entanto, não é o que se vê, pois ele insiste em se manter fiel a crenças que não conseguiram comprovar o que preconizavam, impondo-lhe inúmeras derrotas e raríssimas vitórias.

O homem, ente humano dotado de autonomia, escolheu para o seu agir o arbítrio e a deliberação amparada no eu existencial. Esquecendo-se de ponderar sobre si mesmo, passou de imediato a participar do mundo da vida, consigo e com os outros, estabelecendo para esse fim inúmeras relações humanas. Como corolário de suas atitudes, surgiram as dificuldades, os conflitos e as aflições, evidenciando sua insensatez.

Ao longo do tempo, o homem descuidou-se da sua humanização, dedicou-se a técnica, especializou-se na arte mecanicista, não aprendeu a pensar. Ele pensa, e sabe-se que sim, no entanto, quando pensa, volta seu pensar sobre si mesmo, ignora o outro e ainda inclui na sua indiferença, a natureza e o meio ambiente. Mesmo assim, reclama. Ele não sabe o que é alteridade, conceito filosófico que diz: “Ser outro, pôr-se ou constituir-se como outro”.

Imobilizado, aguarda, talvez, um movimento mágico, uma ação dos “deuses” na expectativa de encontrar um sentido para seu eu existencial. Ele não aprendeu a atuar pragmaticamente, não soube construir seu mundo, ele desconhece a sua natureza racional livre, a sua legítima autonomia. Ele solapou de si mesmo o que tem de melhor.

Georges Gusdorf, filósofo francês, diz: “A união da alma e do corpo, constitutiva, apesar de tudo, da realidade humana, reduz-se ao resultado de um encontro casual, prejudicial, aliás, à expansão do pensamento puro. É necessário fazer suas opções para viver, mas tanto quanto possível para filosofar. Porque é possível pensar sem o corpo, ou contra ele se for preciso, mas nunca com ele”.

Portanto, assimilemos tal pensamento e com ele resgatemos a nossa legítima autonomia, consolidando aquilo que ainda não se tornou uma experiência efetiva para nós, homens do nosso tempo.


domingo, 10 de janeiro de 2016

Em defesa do mito

João Alberto Acunha Tissot
Licenciado em Filosofia

O uso frequente que se faz da sentença “é mito ou verdade”, quando se quer resolver um dilema qualquer, é no mínimo indevida ou equivocada. A sua insistente repetição induz no homem do senso comum a certeza de que ela é legítima. Daí se conclui que, quando ele quer elucidar os dilemas do seu cotidiano existencial, segue a tradição e considera a falsidade da palavra “mito”, ignorando o seu real significado.

O primeiro aspecto que precisamos considerar, e com ele realizar um trabalho confiável sobre o que é o mito, é a necessidade de preservar e utilizar as referências que nos foram legadas por pesquisadores confiáveis, tais como Mircea Eliade e Georges Gusdorf, por exemplo. Sem esse cuidado, persistiremos no equívoco da mera opinião que, segundo Platão, corresponde ao erro. Ele foi o primeiro a tratar a questão com relevante seriedade, ao propor um princípio de ciência para a sua filosofia, o que segundo ele, possibilitaria chegarmos ao conhecimento autêntico.

O mito e a sua respectiva investigação nos põem diante de uma realidade cultural extremamente complexa, podendo ser abordada e interpretada através de perspectivas múltiplas e complementares, segundo Eliade. Em virtude disso, o zelo ao tratar de uma realidade tão significativa para a história da humanidade requer de cada um de nós, dotados de vocação filosófica, uma diligente maestria na sua abordagem.

Outro aspecto que cabe salientar é a distinção que há entre o valor semântico do termo “mito”, reconhecido pela tradição, como “fábula”, “invenção” ou “ficção”, e a nova acepção assumida a partir do trabalho dos etnólogos, sociólogos e historiadores das religiões. Para eles, o vocábulo “mito” designa uma “história verdadeira”, dotada de “caráter sagrado, modelo exemplar e revelação primordial”. O mito, desse modo, justifica o surgimento de uma realidade que não existia. Ele faz uma narrativa a respeito “de algo que foi produzido e começou a ser” e, por isso, merece nossa atenção, reflexão e interesse.

É seguindo essa perspectiva que devemos conduzir nosso estudo e trabalho, pois foi deste modo que esses pesquisadores conseguiram seus melhores resultados. Se mudarmos o rumo da nossa investigação, estaremos assentindo com premissas duvidosas ou distorcidas.

Não é aconselhável, portanto, tomar como ponto de partida a mitologia grega, por exemplo, pois a maioria dos seus mitos foi recontada e, consequentemente, modificada, articulada e sistematizada por Hesíodo e Homero.