Sabe-se que ao longo do tempo a filosofia atraiu para si indisfarçável
antipatia. As razões não são facilmente identificáveis. Mas, quando despertamos
nas pessoas o interesse por filosofia, o que era tácito torna-se explícito, e
elas não conseguem evitar a rejeição que sentem por ela. Quase sempre
consideram a filosofia enfadonha, sem utilidade e de difícil entendimento. De
fato, ela não é utilitarista, não tende para o particular ou para o relativo, ela
estima para si o saber sobre o todo, desconfia que o genuíno encontra-se
encoberto na origem. Percebe desde os primórdios que a ignorância é uma latência
transitória, algo a ser desvendado.
O que talvez deixe a filosofia chata ou cansativa é a metodologia
por ela adotada durante o processo dialético e argumentativo – o filosofar
autêntico – competência desenvolvida pelos primeiros pensadores para realizar a
justificação racional. Por sua vez, a ignorância é superada na medida em que cada
etapa desse processo argumentativo avança e se expande. Portanto, o conhecimento
resultante é uma atividade da razão pura, definitivamente desmistificada pelos
gregos.
Já na idade média, a razão é interpelada arbitrariamente
pela fé, que gera o dogma e, com ele, surge o sortilégio nefasto que interrompe
a caminhada dialética, cerceando a liberdade da razão, instaurando no homem o
instinto de rebanho. Dessa forma, o livre pensar perde a autonomia para a fé e
a razão se deixa subjugar pela dogmática instituída. Desde então, vagamos e
divagamos, não se sabe ao certo. Sabe-se apenas que sucumbimos e desaprendemos
a pensar. Prisioneiros dos círculos concêntricos do mero existir, perambulando,
perdemos a capacidade de pensar verticalmente. Hoje somos homens vivendo na horizontalidade.
Será isso de fato o que somos?
A filosofia pode devolver a cada um de nós a autoestima
suplantada pela dogmática histórica. Pode nos ajudar a resgatar a plena
capacidade da razão livre e pensar sem o medo e o dogma das doutrinas. No
entanto, o homem contemporâneo, que apenas se move sob a pressão dos círculos
existenciais, ainda deixa-se arrastar pela força de doutrinas combalidas e
corroídas pelo tempo. Não querendo se libertar, preserva em si mesmo indícios
de um primitivismo incontestável e pouco evoluído. O que deveria tê-lo humanizado
não o fez, mas mesmo assim, não o liberta e nem o deixa prosseguir.
O homem do senso comum pensa que a filosofia atua sobre o
imponderável e julga o ato filosofante como devaneio ou perda de tempo. Filosofar
não é divagar, é a busca pelo ponderável desconhecido, é um ato livre do puro
pensamento. Pena que ainda não fomos suficientemente adestrados para o ato
filosofante puro, tão necessário e indispensável para a nossa humanização.