domingo, 10 de janeiro de 2016

Em defesa do mito

João Alberto Acunha Tissot
Licenciado em Filosofia

O uso frequente que se faz da sentença “é mito ou verdade”, quando se quer resolver um dilema qualquer, é no mínimo indevida ou equivocada. A sua insistente repetição induz no homem do senso comum a certeza de que ela é legítima. Daí se conclui que, quando ele quer elucidar os dilemas do seu cotidiano existencial, segue a tradição e considera a falsidade da palavra “mito”, ignorando o seu real significado.

O primeiro aspecto que precisamos considerar, e com ele realizar um trabalho confiável sobre o que é o mito, é a necessidade de preservar e utilizar as referências que nos foram legadas por pesquisadores confiáveis, tais como Mircea Eliade e Georges Gusdorf, por exemplo. Sem esse cuidado, persistiremos no equívoco da mera opinião que, segundo Platão, corresponde ao erro. Ele foi o primeiro a tratar a questão com relevante seriedade, ao propor um princípio de ciência para a sua filosofia, o que segundo ele, possibilitaria chegarmos ao conhecimento autêntico.

O mito e a sua respectiva investigação nos põem diante de uma realidade cultural extremamente complexa, podendo ser abordada e interpretada através de perspectivas múltiplas e complementares, segundo Eliade. Em virtude disso, o zelo ao tratar de uma realidade tão significativa para a história da humanidade requer de cada um de nós, dotados de vocação filosófica, uma diligente maestria na sua abordagem.

Outro aspecto que cabe salientar é a distinção que há entre o valor semântico do termo “mito”, reconhecido pela tradição, como “fábula”, “invenção” ou “ficção”, e a nova acepção assumida a partir do trabalho dos etnólogos, sociólogos e historiadores das religiões. Para eles, o vocábulo “mito” designa uma “história verdadeira”, dotada de “caráter sagrado, modelo exemplar e revelação primordial”. O mito, desse modo, justifica o surgimento de uma realidade que não existia. Ele faz uma narrativa a respeito “de algo que foi produzido e começou a ser” e, por isso, merece nossa atenção, reflexão e interesse.

É seguindo essa perspectiva que devemos conduzir nosso estudo e trabalho, pois foi deste modo que esses pesquisadores conseguiram seus melhores resultados. Se mudarmos o rumo da nossa investigação, estaremos assentindo com premissas duvidosas ou distorcidas.

Não é aconselhável, portanto, tomar como ponto de partida a mitologia grega, por exemplo, pois a maioria dos seus mitos foi recontada e, consequentemente, modificada, articulada e sistematizada por Hesíodo e Homero.

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